Colisão ou Coalizão

Parece que tudo está fora de órbita em São Paulo, alguma conjunção desastrosa botou numa quadratura, sem portas de emergência, elementos com alto poder de colisão. Dias seguidos de protestos, cenas incontáveis de violência, milhares de reais em prejuízo e a evidência de duas forças cegas: uma confusa e a outra orientada por apenas um tom, calar o protesto. O movimento Passe Livre formado por estudantes, cidadãos e incitado possivelmente por alguns partidos de esquerda, começou a protestar contra o aumento das tarifas do transporte público e foi ganhando força nos dias que se seguiram. Seria mais razoável acreditar que o protesto tem outros motivos, não só contestar o aumento das tarifas, afinal, há neste país tanta degradação pior que este reajuste que tudo seria facilmente justificado. O protesto, na medida que crescia, passou a ganhar rótulos de inadequado, desmedido e abusivo, e, os protestantes, honrarias de baderneiros e criminosos. Infelizmente, o rastro de cacos e desordem endossaram essa tese. Se nós tivéssemos (inclusive eu) o hábito e o espírito aguerrido e consciente, se fosse do nosso feitio ir às ruas protestar contra, como exemplo: os bandidos que ocupam o palácio do planalto, as assembleias legislativas, as câmaras todas e todos os corruptos vestidos de terno e gravata que, aliás, logo votarão a favor da PEC 37 (que na minha singela opinião, é muito mais grave do que o foco dos protestos do MPL), seria muito natural apoiar um protesto como este. Porém, desde o impeachment do presidente Collor nós preferimos bravejar do sofá, de preferência, aquele que fica em frente ao aparelho de TV para estimular a circulação no lobo frontal. Agora, com as telas móveis nem precisamos dos sofás, a não ser que estejamos muito fatigados dos afazeres civis. As primeiras notícias sobre os protestos logo estimularam o ambiente para especulações que vieram a seguir, claro. Se o movimento saiu às ruas para protestar contra o aumento das tarifas e muito mais, porque os brados e cartazes não incluíram o muito e o mais. Não sei se faria diferença, mas talvez o movimento tivesse juntado outras forças e o apoio de uma parcela maior da população. Talvez a única diferença estaria no fato de que o movimento teria objetivos claros e coerentes com o vigor dos protestos e não obscuros ou desmedidos como especulamos. A transparência talvez provesse `a imprensa menos estímulos para fábulas equivocadas e distorções e, possivelmente, daria menos audiência e lucro aos telejornais. Depois dos protestos as pessoas começaram a comentar nas redes sociais, nos cafés, nos bares, nos táxis e, claro, em frente à TV, que o protesto não poderia ser apenas contra o aumento das tarifas. Alguma organização muito mais poderosa que um grupo de estudantes estaria por trás de tudo, recrutando ativistas e orientando as ações, os saques e a depredação generalizada. Talvez o PCC tivesse infiltrado “agentes” para aproveitar o tumulto para saquear e promover uma onda de temor entre os paulistanos. Sem julgar a razão, o fato é que os protestos renderam muitos danos em estações de metrô, agências, ônibus, narizes e câmeras, e mesmo com tantas câmeras registrando tudo, como nomear no meio desse caos os agressores, os heróis, os criminosos e os inocentes espectadores? Agora parece tarde para esclarecer e desmentir as imagens, pois neste tempo tecnológico, as opiniões são formadas num instante, ou melhor, no instante em que a primeira notícia (real ou manipulada) chega, via Mobile, ao espectador. Será que faltou aos jovens estudantes, ou às supostas organizações, formular um release mais fiel aos sentimentos que, em verdade, nós temos? Será que os protestos começaram contra os reajustes das tarifas e depois de pisarem nas ruas os protestantes se lembraram que o país apodrece de dentro para fora, há séculos, e que, portanto, os protestos só poderiam ganhar essa proporção? A polícia é um aparelho de repressão e tem know-how nesse segmento da economia. Sim, porque tudo no final acaba no âmbito econômico. Portanto, a polícia não poderia agir diferente, principalmente porque há em boa parte dos indivíduos ali fardados a herança de centenas de anos de exploração, humilhação e manipulação do espírito, tal como no bandido e no excluído que tomavam o ônibus (agora carbonizado) para chegar em casa, muito além dos bairros dos seres visíveis. Ou alguém de classe média sonha em ser policial militar? O policial sozinho é outro brasileiro ressentido e no seu DNA está armazenado o saldo negativo, as marcas de quem foi esquecido e o desgosto de ter como pátria, não a mãe, mas a prostituta aberta a qualquer tipo de negócio, preferencialmente, o mais lucroso. Juntos, os policiais são uma força homogênea de obediência e rancor a serviço da ordem que, em tese, todos esperamos. Provavelmente ainda nos faltem know-how e o hábito do protesto, da participação e da responsabilidade, assim como ainda nos falta a honestidade para pagar o ingresso pelo valor inteiro e para recusar o fluxo de propinas abundante nos gabinetes e nas delegacias, independente dos valores. Pelo menos, a coragem para sair às ruas já não nos falta mais.

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